quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
pra tirar as amarras da amargura: o bom e velho samba
Fui ouvir música, junto levei a distancia e a meio metro do caminho dancei como louca... Estava afastada do alcool e me restava brindar coca-cola, aquilo me afligia o coração e vi sua sombra na fumaça de cigarro e de medo que embrulhava meu estomago. Cogitei Nelson Rodrigues, Cartola e até Allan Kardec pra me explicar meu estranho impulso de querer-te de novo...assim foi indo até me entregar tremula as tuas palavras e a minha boca a sua... o passado ficou desbotado, a boca amarga virou doce, a sala não tinha mais ninguem...só nós, corpo e sentido... fumaça.
domingo, 5 de dezembro de 2010
di
Tenho feito muitas caminhadas ultimamente, considero as ruas como nobre passatempo. Um dia desses fui até um presidio, tenho de voltar lá todas as segundas e sempre me surpreendo pela banalidade dos homens. Volto a dizer, a rua pra mim é mero passatempo, mas um vai e vem carregado de outros nomes, sexos e vaidades. Sempre me lembro de Platão ao entrar no pavilhão onde por duas horas, fico ( digo ficamos, somos uma equipe de 3 mulheres) aguardando com livros e materiais de arte, os presos chegarem para trabalharmos. É, as vezes surreal por que nos deslocamos alguns quilometros para falar de arte, de beleza, pra quem já na brutalidade,praticou a estética do desprendimento e da aniquilação. Ali guardado dentro da cela e do coração existem resquícios de homens, de dias que foram crianças e das tolices da juventude. Todos os homens, que compratilham as aulas, defendem o repensar, a escutatória ( assim como Rubem Alves) e o fim das lacunas preenchidas com o álcool.
É possivel perceber o cheiro e o gosto do arrependimento, da amargura e da culpa, assim como percebemos o cheiro de gente amontoada quando chegamos na entrada do pavilhão.Fica o ócio que pena na reconstrução e sedimenta o tempo também encarcerado. São homens, todos nós ali, no pátio do pavilhão. Eu carrego minha culpa, minha tensão em relação ao amanhã, as mágoas dos erros e me vejo neles também. As vezes vejo as sombras remedidas e algumas sementes de dente de leão que cismam livres, nos esnobando porque podem voar e tentar germinar naquele cimento sujo e federonto.
É possivel perceber o cheiro e o gosto do arrependimento, da amargura e da culpa, assim como percebemos o cheiro de gente amontoada quando chegamos na entrada do pavilhão.Fica o ócio que pena na reconstrução e sedimenta o tempo também encarcerado. São homens, todos nós ali, no pátio do pavilhão. Eu carrego minha culpa, minha tensão em relação ao amanhã, as mágoas dos erros e me vejo neles também. As vezes vejo as sombras remedidas e algumas sementes de dente de leão que cismam livres, nos esnobando porque podem voar e tentar germinar naquele cimento sujo e federonto.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
os dias
Os dias estão ficando cada vez mais pequenos e corridos. Os dias, meus, passam em regime de fome, explico: cada grão de segundos, cada gota de minutos e o peso das horas, vão, engolidos por mim, na correria da sobrevivência, agora penso mais na subvivência. Está dificil.
Pra mim, sempre só...Quero a eternidade do passado de memórias, mortas.
Meu filho cresce, logo,logo será um homem...Penso se não terá também a fome das horas, dos dias, do fim. Talvez sim, talvez não...Ele escreverá seu tempo, sua história.
As minhas foram quase todas ácidas e doce...agridoce.
Pra mim, sempre só...Quero a eternidade do passado de memórias, mortas.
Meu filho cresce, logo,logo será um homem...Penso se não terá também a fome das horas, dos dias, do fim. Talvez sim, talvez não...Ele escreverá seu tempo, sua história.
As minhas foram quase todas ácidas e doce...agridoce.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Pensava em como foi duro tirar você de meu corpo, alma e coração.
Doeu muito. Foram nove meses e alguns dias, durou mais que a gestação de meu filho,como um vício... Assim como o álcool, você exalou.
Restou a ressaca como numa noite mal dormida e sofrida, como muitas que vivi a seu lado e que
de nada adiantaram, amanheceram e o vazio ficou.
Tão somente acordada agora vago na felicidade de quem encontrou no fim uma estradinha empoeirada e seca, mas quando vem a chuva fica fértil de novo. Após um longo e ressecado inverno.
Olho para você no retrato digital, virtual e paralisado. logo ali postado no passado uma imagem agora sem sentido. Imagem só, corpo e amor que não existe mais.
Doeu muito. Foram nove meses e alguns dias, durou mais que a gestação de meu filho,como um vício... Assim como o álcool, você exalou.
Restou a ressaca como numa noite mal dormida e sofrida, como muitas que vivi a seu lado e que
de nada adiantaram, amanheceram e o vazio ficou.
Tão somente acordada agora vago na felicidade de quem encontrou no fim uma estradinha empoeirada e seca, mas quando vem a chuva fica fértil de novo. Após um longo e ressecado inverno.
Olho para você no retrato digital, virtual e paralisado. logo ali postado no passado uma imagem agora sem sentido. Imagem só, corpo e amor que não existe mais.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
sexta-feira, 4 de junho de 2010
LEMBRANÇA
Um dia desses ouvia uma música: "
guardo minhas lembranças num lugar seguro..." pensei muito sobre isso e
fui recordando: guardo minha lembranças no computador e em alguns CD's
e vi que sim, realmente ali, são lugares seguros, quase nunca ficam
expostas, como nos porta-retratos, se quando cismo vou lá "nos
guardados", nas lacunas virtuais e os consulto, vejo as fotos, olho os
espaços, os personagens e lá estão...como os deixei, mas a mim, nas
fotos virtuais, mudou; Em algumas fotos cresci, em outras morri, como
num mausoléu...estou ali, só a casca mumificada. Só um rosto, algumas
figuras que não reconheço mais, e outras que faço questão de esquecer.
Quando viro e me olho de novo...tudo mudou. Só silêncio... desligo o
computador;
quinta-feira, 29 de abril de 2010
terça-feira, 23 de março de 2010
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
"A história da menina que não sabia usar o telefone"
A história da menina que não sabia usar o telefone
Coralina era negra, aliás, quase negra, era uma espécie de mistura de cores: seu pai era mestiço de índio com negro e cigano, sua mãe mistura de índio, branco e mulato... Seus avôs: índios e negros...
Desde cedo cismava que podia ler o universo... Conversar com os animais, mais específico com os micos que bagunçavam as árvores da pequena casa que seu pai construíra num lugar remoto, periférico onde ela cresceu e viveu parte de sua vida.
Coralina via o mundo de modo diferente, pelo menos pra ela, viver na fantasia era bom, não precisava pedir nada, chorar por nada, era assim, dia e noite, dias e dias, anos e anos. Passou a infância querendo ser cientista, o primeiro passo das decepções.
Observava o mundo e as pessoas, primeiro olhar.
Tinha um cupinzeiro no fundo do quintal e ali as crianças brincavam...
Corria com os pés descalços pelos pés de bananeiras com a vizinhança, todos da mesma idade... Gostava de ir pra lá, onde a fantasia se transformava, mas tinha sempre a sombra da maldade...
Ela achou que fosse sonho, mas tinha algo errado ali... Era criança, menina e não sabia o que era confiança, mal, bondade... Vivia, comia, dormia e sonhava.
A crueldade ficava por conta dos monstros da televisão, das histórias que seu pai lia pra ela que estavam nos livrinhos de faroeste.
Foi assim, um dia parece que o sol foi-se embora junto do cupinzeiro. Achava que era lá mesmo, mas não foi. Foi num dia de domingo, os homens batiam a laje da casa nos fundos do lote, ela estava lá sozinha no quarto dormindo, sentiu algo estranho no corpo minúsculo de seis ou sete anos, já não se lembrava mais da idade... Incômodo calor ruim, toques rudes aqui e ali... Um barulho qualquer de latas caindo, a cortina se abriu a tormenta e o incômodo ruim passou, não sabia o que tinha acontecido por que o sonho ruim tinha passado. Voltou a dormir ou acordar, já não sabia. Levantou-se, saiu correndo para encontrar outras crianças, brincar um pouco mais, mas tinha algo estranho ali, no seu corpo.
Sol, brincadeiras, janelas, o tempo correndo, o esquecimento.
Coralina sabia que algo tinha acontecido... Mas o que era? Não perguntou pra ninguém, isolou a lembrança e o incomodo na memória. Voltou então a ser o que tentava ser: criança observando o mundo com um ponto de interrogação agora latente: o que era então a maldade? Os gritos? A crueldade? Sabia que aquele incômodo que havia passado lhe fizera algo, mas o que? Enxergava a cor das coisas agora, e também via o cinza e o negro das mesmas...
Coralina brincava, tinha os pés agora calçados, um par de chinelos havaiano azuis, que tinha escondido nos pés de bananeiras, sua mãe lhe chama, ela corre e sem mais explicações se vê atrasada para a escola... Mas o que é escola? Sem respostas... Toma banho, calça os chinelos, come alguma coisa e sai... Atravessa a linha de trem, passa pela igreja entra no prédio antigo, que era a escola, muitas outras crianças quietas, sentadas em circulo, começa a chamada: Fernanda, Thiago, João: presente! Coralina... Coralina?Ela ali, perdida olhando a todos sem saber o que responder. Coralina! Ríspido assim... Levanta a mão! Sente uma vontade imensa de chorar, não reconhece o lugar, as crianças, a professora... Engole o choro ali mesmo. Sem ninguém.
Passaram-se alguns dias e a escola mudou. Já não era o prédio antigo mais, era outro, também não tão novo quanto o anterior... Tinha agora um uniforme, um sapato de boneca, meias brancas e alguns cadernos. Sua mãe lhe explicara aonde ia, não sentia mais vontade de chorar por não saber se iria voltar pra casa. Sabia das horas de acordar e ir à escola.
Agora dividia a carteira da sala de aula com outras crianças o que lhe deu um grande e absurdo medo. Mas não podia falar com ninguém o que sentia, não sabia como falar, por isso o silêncio, aliás, o silêncio era sua alternativa com o passar dos anos para tudo que lhe dava medo, tinha aprendido, não sabia como, desde o dia do domingo, do calor ruim. Dividiu a carteira com um menino... Ele falava palavrão, era um absurdo para ela ouvir aquelas palavras, na sua casa não tinha nada daquilo, muito menos no seu mundo de brincadeiras junto da vizinhança humilde e carente que dividia o lote, as brincadeiras e o pouco de comida que tinham. Decepção. Chorava baixinho, com a cabeça na mesa, sem forças para pedir pra mudar de lugar. Era assim, que sua família tinha lhe ensinado a ser, nunca reivindicar nada e chorar baixo, sem incomodar a ninguém. Coralina achava tudo muito estranho no mundo da escola. O recreio, as brigas, as poucas amizades e a crueldades das crianças umas com as outras... Tinha sete anos... Na sala de aula observava a natureza daquelas peças mal formadas de homens e mulheres em miniaturas.
Luana era o nome agora da colega que dividia, agora, o mesmo lugar com ela, era feia na sua pré-adoslescência, corpo quase formado, misturada as outras crianças ainda naquela sala iluminada e cheia de papel crepom encardido. Tirava os seios para fora quando a professora não via e mostrava pra Coralina que olhava envergonhada e sem coragem de olhar e para os meninos que sentavam próximas as duas. Ela dizia que seu padrasto chamava seus pequenos peitos de limãozinhos, Coralina não entendia nada tampouco achava graça naquilo, observava silenciosa a estranha maldade que ficava ali pairando no ar, sabia que aquele lugar não era sadio, não tinha vontade de voltar lá, mas havia uma obediência burra e se calava... Criança não podia querer nada, era levada para lá, na escola e ficava só isso... Crueldade ali tinha idade, grupo e horário: a escola...
Assim foi durante muito tempo... Observando em silêncio, criando saídas, fazendo pequenas amizades, procurando como resguardo sempre as amizades como ela: refugiados, excluídos, meninas feias, maltratadas e esforçadas que as professoras, frutos da ditadura que se ia embora, faziam questão de não incluir ou simplesmente não davam idéia por serem feias sujas e maltratadas. Matilhas de crianças mal queridas que saiam de buracos chamados de casa, que tinha a escola como “refúgio” que não era lá grande coisa, mas que dava certo alívio e alimento durante algumas horas do dia. Os barulhos da saída, o sinal de entrada, debelavam essas matilhas de crianças.
Sentia Coralina que podia ser mais que queriam que ela fosse, mas não sabia como... Lia, escrevia, sonhava, observava. Não queria ser chata, mas sentia profundamente a exclusão que imperava na escola, sempre a mesma: os brancos, os arrumadinhos e os queridinhos, sempre tinham espaço, eram ouvidos, sempre eram selecionados para participarem das coisas... E os feios, sujos e malvados? Onde ficavam? No limbo... Não tinha voz, não eram chamadas para nada, relegadas e condenadas aos cantos da sala, às filas da merenda na hora do recreio com os rostos enfiados nos pratos de alumínio. Era assim sempre, no cotidiano e quando se faziam gincanas ou festas na escola. Com o aval de uma ou outra professora, Coralina tentava mostrar que haviam coisas boas nos relegados. Conseguiu entrar para o grupinho das meninas bonitinhas e queridinhas da escola, aquelas cujas mães fúteis estavam sempre na escola em conversinhas com as professoras e diretoras, sua mãe não tinha tempo pra isso, trabalhava e criava os filhos.
Foi assim durante os anos do ensino fundamental: esforço para se fazer notar como aluna interessada e com algum potencial, os outros: as bonitinhas e arrumadinhas; pegavam carona e exploravam a boa vontade dela e os trabalhos que eram para ser em grupo, geralmente era sustentado por Coralina. Mas não tinha problema, ela via aquilo como uma porta de entrada para um mundo ao qual não pertencia. Em sua casa o trabalho do pai e da mãe mantinha a alimentação, as contas de água e luz e uma pequena TV preta e branca, roupas eles ganhavam de outras pessoas, a mãe trabalha nelas para melhorar um pouco, sapatos? Tinha-os novos uma vez por ano. Livros? Nem pensar, sua mãe se formou por formar em magistério não tinha amor pela profissão e não conseguiu um emprego na área, então fazia salgadinhos pra fora para manter certa dignidade na alimentação da família, o pai motorista, se esforçava para pagar as contas e terminar de construir a casa... Tudo era difícil. Ela queria mais, via as propagandas de TV, via as amigas bonitinhas com roupinhas bonitinhas, era fim dos anos 80 e tudo tinha etiquetas, quem não as tinha não tinha valor.
Foi durante muito tempo um tormento ter de engolir a situação de precariedade que as condições econômicas e sociais impunham para a maioria das pessoas, em especial a Coralina que observava tudo com raiva, mas em silêncio.
Chorava a noite. Sabia que não queria aquela vida, mas não tinha outro jeito era o que tinha, embora milhões de acontecimentos se fizessem ela não se contentava com aquela vida, tinha um pouco de lúdico, mas era pouco, comer com os olhos as vitrines era muito para ela.
Começou assim as ilusões que sonhou, percebia que teria de ralar muito pras coisas acontecerem, não sabia como andar, tudo para ela era difícil, como dizia seu pai: “pobre não podia sonhar!” Engolia isso com raiva. Não tinha apoio, se viu assim o resto de sua vida, “como as pessoas são cruéis!” pensava ela, e assim sendo, aprendeu também a ser cruel. Via aquela corja de homens e mulheres largados a própria sorte num bairro dormitório, iguais na desgraça geográfica, não queria aquilo. Havia uns que andavam fora do limite miserável territorial e conseguia ver alguma coisa além das luzes vermelhas e da linha de trem, outros ficavam lá, jogados e empoeirados pela poluição, pelo vício e pelas crias que cismavam de nove em nove meses nascer, teimosas.
O trânsito que fazia entre as duas cidades todos os dias para trabalhar, era apenas para tentar vingar de si mesmo, odiava aqueles ônibus que levavam uma, duas horas para chegar ao final numa rua fedorenta no centro da cidade, e lá saltavam hordas de imbecis querendo somente um salário pra sustentar a própria burrice.
Ás vezes pensava que não passaria mais daquele dia, pois no trajeto via os carros, apartamentos, possibilidades e oportunidades passando, passando. Indo embora. Pensou várias vezes em acabar com aquilo, com aquele sofrimento. Suicídio? Talvez sim, seria uma porta, mas pelas convicções católicas que tinha tomavam a coragem dela para fazer o que teria de ser feito.
Então saiu daquilo. Foi teimosia, mas durante um tempo deu certo. Coralina ousou ir além, como num passo de mágica, esqueceu tudo de ruim que havia lhe acontecido, as criaturas mal humanas e miseráveis que haviam cruzado seu caminho na infância e adolescência, a brincadeira de criança, os sabores da casa da mãe e da avó, isolou tudo isso. Foi ver o mundo, embora pequeno, mas via uma possibilidade ali.
Tudo, mesmo que isolando as lembranças e sofrimento, achava que era culpa sua: a falta de apoio, de amor, de rumo. Mas teimava. Teimava em não se entregar às rugas, ria de tudo, um riso cínico, sarcástico, daquele riso que se dá quando você se vê arrasado, acabado, cansado de ser maltratado e mal-amado, mas cisma em sorrir como se a salvasse da ignorância habitual, da falta de grana, da falta de abraço e carinho.
Então Coralina via sua vida passar mais uma vez como nos ônibus lá atrás, usava os homens que se aproximavam dela, por que sempre via que tinha algo ali, interesse misturado à obscuridade, e sinceramente ela sabia que nada era de verdade, parecia que vivia num mundo de irrealidade, como uma ficção criada para viver um personagem que ela não gostava, mas que estava ali, disponível para ela, como se a personagem a tirasse daquela carteira nos primeiros dias da escola. Essa personagem a perseguiu durante muito tempo. Dizia: “Graças a Deus ela existe para me curar!”. Ela estava errada, a personagem a comeu inteira. Tomou-lhe a personalidade e a frescura de uma menina periférica que cismava em sonhar. O personagem a tornou cruel e vingativa com ela mesma. Coralina já não existia. Ficou um enorme vazio em seu peito.
Foi assim que ela deu mais um salto na sua teimosia e abriu a janela. O ar estava amarelo como seus dentes, seus sonhos e seus dedos. O rosto recoberto de maquiagem made in china; o sol brilhava frio na janela de seu apartamento alugado e os sons dos lixeiros se misturavam ao som das pragas dos pardais que cismavam em cantar nos fios de luz. Sentiu-se podre, o hálito alcoólico borrifava o espelho com a foto encardida de uma musa qualquer do cinema Americano dos anos 50, como a Coralina que não existia mais. Olhou para sua cama e viu seu homem: negro, gordo e perdido! Olhou mais um pouco, não pensava naquela vida para si, queria tudo e se viu com quase nada, abriu a porta do quarto, foi à cozinha, fez um café... Passou o café aguardando a água baixar na garrafa, paciente, o cheiro imperava no ar...
Olhou a janela e a avenida que corria apressada lá embaixo. Como era ela pobre, como ela se deixou jogada lá atrás, para quê aquela existência? Para quê a infância jogada fora como naquele domingo do calor ruim? O que ela tinha feito para si e para os outros resgatando sempre o medo, a solidão, a devassidão? Pensava em personagens de Caio Fernando Abreu e Nelson Rodrigues, mas não se encaixava realmente em nenhum deles... Só na crueldade, na picardia.
Queria apenas ser amada, como criança, como mulher e como uma puta qualquer, alias, era nisso que havia se tornado: uma puta erudita e mal comida que não cobrava nada, ela mesma pagava pela sua sobrevivência. Tomou o café em pequenos goles. Rumou ao banheiro, infeliz e mal curada da ressaca... A boca de um doce amargo, o coração apertado... Tomou banho, desenhou no box de vidro um coração vagabundo que ia secar depois; na vizinha tocava um Chico Buarque qualquer misturado ao som da panela de pressão.
Entrou no quarto, olhou para a cama... Para seu homem... Sorriu cínica um pouco, ele roncava como um bode velho e bêbado. Era segunda-feira de manhã, não ia trabalhar.
Olhou mais um pouco a janela, respirou fundo... Arredou o lençol de florzinhas amarelas e deitou-se nua ao lado daquele homem que a abraçou: ela sentiu-se ali a menor, melhor, mulher do mundo.
agora
Vi num dia de chuva que alguma coisa poderia ser melhor que a noite...
aquilo que impregna a cabeça dorme agora tranquilo.
Escrevo assim para desfrutar da mediocridade.
Aqui e ali
a qualquer momento...
supro de gritos o silêncio que antes me contaminava
sorrio para sempre...insisto no dia.
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